Lira armou uma arapuca, e o governo caiu

Lira armou uma arapuca, e o governo caiu

Escolha de pautar o PL das fake news visou demonstrar fraqueza da base de Lula.

Depois de uma reeleição acachapante para a presidência da Câmara, a maré parecia ter virado contra Lira. Sem os bilhões do orçamento secreto para distribuir e frente a um governo com uma habilidade política maior do que a vista durante na gestão anterior, o grande líder do Centrão começou a ter o seu poder questionado.

Em busca de reafirmar a sua hegemonia, Lira lançou-se numa disputa com o presidente do Senado sobre a tramitação das MPs; e perdeu. Diante da iminência de abertura da CPMI dos Atos Golpistas, de responsabilidade de Rodrigo Pacheco, tratou logo de instaurar a CPI do MST na Câmara para tentar manter o protagonismo no Congresso.

Com as mais diversas desculpas, Lira segurou a pauta do Congresso desde o início do ano, levando a votação apenas questões pouco relevantes. Com isso, não permitiu que Lula testasse a fidelidade da sua base de apoio, ao mesmo tempo em que se vendia como grande fiador do governo, sinalizando apoio ao novo arcabouço fiscal.

Aliás, Lira poderia ter manobrado para votar com urgência a proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para colocar as contas públicas em dia. Ao que tudo indica a medida seria aprovada com uma maioria relativamente folgada, mas isso transmitiria a sensação de que Lula tem apoios sólidos entre os parlamentares, o que diminuiria o poder de barganha do presidente da Câmara frente ao governo.

A escolha por inaugurar pra valer o ano legislativo foi, portanto, estratégica. Ao selecionar o PL das fake news, Lira colocou em pauta um tema que atiça as maiores resistências contra o PT e a esquerda em geral.

Com alta carga ideológica, o projeto divide a sociedade ao resgatar o fantasma do controle da mídia e da censura prévia, pontos controversos associados aos apoiadores do atual presidente. Tecnicamente complexo, também é um assunto que fomenta todo tipo de distorção interpretativa e desinformação (justamente as notícias falsas que o projeto pretende regular).

Trazer esse tópico à baila também serviu para mobilizar os apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais, uma turma que andava meio silenciosa desde o escândalo das joias da Arábia.

Colocar o PL das fake news para votação em regime de urgência despertou resistência de importantes bancadas no Congresso, aliando aos deputados bolsonaristas parlamentares mais simpáticos a Lula pertencentes às frentes parlamentares evangélicas e de outros segmentos conservadores da sociedade, como representantes ligados ao agronegócio e à segurança pública.

Assim, deputados que tendem a votar com Lula em matérias de cunho econômico ou ideologicamente neutras, devem se posicionar contra o PL das fake news. Mesmo que o governo saia vencedor ao final da votação, passará uma imagem de fraqueza que pode não condizer com a realidade; e Lira ficará com mais esse crédito no Palácio do Planalto.

O adiamento da votação do projeto, anteriormente marcada para hoje (02/05), prolonga a indefinição sobre uma discussão complexa e necessária, mas que foi ideologizada e agora se transformou no primeiro teste de força para o governo Lula – um tema, aliás, que trará poucos resultados palpáveis para o futuro do seu mandato ou a popularidade presidencial.

Ao criar uma crise que não exista uma semana atrás, Lira armou uma armadilha, e o governo deixou-se levar sem muita resistência.

Fonte: https://valor.globo.com

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